quinta-feira, agosto 24, 2006


Domingo no Rio

Este foi um domingo atípico para o Seu Jorge. Ele não trabalhou. Acabou deixando sua clientela com sede. Pela primeira vez em 5 verões ele não desfilou seu largo sorriso pela areias da praia. Seu Jorge vendia mate. Na verdade Seu Jorge vendia mesmo era o seu sorriso. Era capaz de alegrar uma pessoa só de olhar para ela. A decisão por comprar o mate era apenas um impulso secundário.
A idéia de vender mate nasceu junto com seu primeiro filho, batizado pelo pai de Martin. Sobre a escolha do nome ele dizia:
- É em homenagem ao Martin Luter Quingues - dizia num inglês cheio de ginga.
Seu Jorge era analfabeto. Analfabeto e negro. Tão negro que atingia diversas tonalidades de azul toda a vez que o sol castigava-lhe a pele e o corpo suava de forma impiedosa. Mas isso nunca impediu Seu Jorge de conhecer o mundo. Como não lia, ele vivia o mundo através de um pequeno rádio.
- Rádio não. Isso é um Uóiquimam! Da Soni! - fazia questão de lembrar.
Seu walkman não sabia o que era música. Seu Jorge escutava apenas notícias. Escutava até mesmo a Hora do Brasil. As notícias davam a ele a dimensão do mundo. Dono de uma memória invejável, Seu Jorge era capaz de guardar em detalhes as principais notícias da semana e transmiti-las para os clientes mais assíduos. Muitos deixaram de ler o jornal aos domingos, pois contentavam-se apenas com o Boletim do Seu Jorge, como era conhecido.
Mas naquela manhã de domingo, traído por uma pilha velha, Seu Jorge não escutara o rádio antes de sair para o trabalho, como fazia todos os domingos. A aparente paz de uma simples manhã de domingo escondia uma iminente invasão policial. Um policial havia sido morto durante a madrugada, perto da favela onde Seu Jorge fixou residência. O desejo de vingança nascia junto com o dia.
Seu Jorge era favelado. Mas como a maioria dos favelados, era apenas um trabalhador invisível aos olhos do mundo. Um rápido beijo no santinho colado na geladeira servira-lhe de café-da-manhã. O som da porta de casa batendo foi o penúltimo som que Seu Jorge ouviria naquele domingo. O último foi um estampido seco. Um tiro.
Horas mais tarde a rádio de notícias preferida de Seu Jorge noticiava a sua morte. Bala perdida, diziam. Mas sabemos que bala perdida é aquela que encontra abrigo num muro de concreto. As que ceifam a vida de uma pessoa inocente apenas cumpriram o seu papel. Afinal, balas são feitas para matar. E mataram neste dia mais do que o boletim de notícias do Seu Jorge. Mataram a alegria de um domingo.


Bruno Buaiz

segunda-feira, junho 12, 2006

A D.R. e o Homem

D.R. Para quem não sabe, D.R. é "discussão de relacionamento". D.R. não é briga. D.R. é D.R. Briga é quando duas pessoas acham que estão com a razão e tentam provar por meios estereofônicos que a sua razão é melhor do que a outra. A D.R. é como um julgamento em flashback, onde você já começa culpado e vai descobrindo depois o porquê. É o tipo de coisa que está além da compreensão masculina. O pior é que o homem só percebe que é vítima de uma D.R. meia hora depois do início do encontro. É quando o sujeito nota que, de uma hora para outra, o protocolo de comunicação com a sua namorada mudou. Ao invés de recorrer às palavras, sua namorada agora quer ser entedida de uma forma menos convencional seja através de uma trincada com o dente molar ou um ligeiro movimento de córnea. Sim, meu amigo, não adianta reclamar, se a "conversa" está nesse estágio, você está atolado numa autêntica "Discussão de Relacionamento". Daí pra frente você terá que cumprir as três etapas clássicas de uma D.R.: a investigação, a negação e o perdão.
Na etapa de investigação, você vai perguntar de 4 a 37 vezes, em média, o que aconteceu para sua namorada estar tão quieta. Ela, por sua vez, irá dizer de 4 a 37 vezes que não aconteceu nada. O problema é que quando uma mulher diz "não aconteceu nada" no fundo ela quer dizer "aconteceu, aconteceu sim! É só deixar de ser preguiçoso e dar uma chegadinha no meu cerebelo, imbecil!". Nesses momentos de tensão em que existe um prenúncio de esporro é interessante observar como alguns pontos do rosto da sua namorada sofrem ligeiras deformações. É o caso das narinas que naturalmente dilatam fazendo com que você finalmente acredite na tese de que o homem descende do macaco. A partir daí, o nariz da sua patroa cria vida própria e as palavras são trocadas por suspiros audíveis num raio de aproximadamente 150 metros.
"O que foi?"
"(suspiro)"
"Me conta... Se você continuar assim eu não vou ter como saber..."
"(suspiro)"
"Se abre comigo..."
"(suspiro)"
"Meu amor, não quero ficar insistindo nisso...."
"(suspiro)"
Você só deve parar de perguntar depois de contar de 3 a 5 suspiros. Esta é mais ou menos a duração da série suspiral. Mas não se preocupe, pois você saberá quando a série chega ao último suspiro. Se estiver em um restaurante, é só reparar nas mãos dela, que a esta altura estará espetando uma fatia de pizza como se fosse um boneco de vodu ou rasgando a toalha de mesa. É importante notar, no entanto, que o último suspiro, também conhecido como suspiro-mãe, é peça fundamental na D.R. É ele quem vai te jogar para a segunda etapa (negação).
Na etapa da negação você vai tentar lembrar a cagada que você fez ou falou nos últimos 30 dias úteis e negar de forma veemente. Bom, como a memória masculina é fotográfica e basicamente aplicada em fragmentos do corpo feminino alheio, você não vai lembrar. Aí, é só fazer aquela cara natural de quem foi parado numa blitz e tem um cadáver na mala e esperar pelo movimento de sua namorada que, percebendo a sua incapacidade em se tornar um médium, vai lhe dar algumas pistas...
"(suspiro) Amor, lembra do dia em que estávamos saindo daquela churrascaria e te perguntei se estava gorda?"
Amigos, uma dica: quando sua namorada ou esposa te faz esta pergunta, não importa sua resposta, você invariavelmente estará fudido. Entendam de uma vez por todas, não existe resposta correta para esta pergunta. Você tem que criar uma situação que desvie a atenção dela do assunto. Se vocês estiverem andando na rua, procure um bueiro aberto ou se jogue na frente de um carro. O que vier primeiro. Tanto faz. Se você estiver dirigindo, bata o carro. Ou atropele alguém. O que vier primeiro. Tanto faz. Agora, se você ousar responder, vai estar plantando a sementinha da D.R.
"Meu amor, não acho você gorda...."
"Oi? Não ME ACHA GORDA? Você está dizendo que sou gorda mas que você não acha? É isso? O mundo inteiro acha, menos você?"
"Não foi isso que falei..."
"Ah, então fala mais alto porque eu ACHO que a gordura está me deixando surda..."
"Não...Peraí... Veja bem....."
"Ah, olha só. Deixa pra lá... Você já respondeu mesmo..."
"Mas eu não falei que você está gorda! Você é linda, meu amor..."
"E eu lá quero ser linda? Eu quero ser magra! Idiota..."
Esta fase pode durar alguns minutos ou algumas horas. Vai depender da sua disposição em tentar justificar sua resposta no dia da pergunta. Mas não se preocupe, a sua gafe sempre será lembrada por ela como se estivesse numa mesa redonda, com direito a replay, câmera lenta e tira-teima. E também não adianta tentar minimizar seja lá o que foi que disse, pois todas as amigas já acharam um absurdo o que você supostamente falou e ainda que você não saiba, já foi julgado e condenado por um tribunal de calcinhas em fúria. Bom, amigo, nada mais lhe resta do que ficar calado e ouvir sua sentença. O ciclo da DR chega então ao seu momento conclusivo...
O perdão. Muita calma nesta hora. Nesta fase você precisa medir muito bem as palavras. Qualquer descuido pode ser fatal. Na verdade, só existe uma palavra para ser utilizada: "desculpa". Mas cuidado com a repetição. Seja criativo e utilize todas as variações gramaticais em torno da palavra "desculpa", de forma randômica e em pelo menos 4 idiomas diferentes. A expressão corporal também é muito importante nesta fase e deverá ser utilizada em conjunto com a seqüência de "desculpas". Como ela estará pouco propícia a qualquer tipo de contato corporal, a medida que você se aproximar, ela irá bloquear suas mãos com a agilidade de um mestre kung-fu. Para vencê-la, utilize a milenar posição do polvo-em-pêndulo. Movimente o seu corpo de um lado para outro, como um VJ da MTV, para dificultar o bloqueio. Em seguida, utilize o velho truque da multiplicação de braços, muito usado na sua adolescência para abrir sutiãs, para conseguir abraçá-la. Não tem erro. Uma vez abraçada, sua D.R. estará oficialmente no fim.
Agora, aproveite seu prazo de garantia de 6 a 9 dias úteis, que é o tempo médio entre D.R.s e relaxe. Boa sorte e lembre-se: relacionamento sem D.R. é como felicidade no casamento , só existe na sua imaginação.
THE FIM